domingo, maio 09, 2010

"A Eucaristia: fonte de santidade no ministério sacerdotal"



CONGREGAÇÃO PARA O CLERO
CARTA DO CARDEAL DARÍO CASTRILLON HOYOS POR OCASIÃO DO DIA MUNDIAL PARA A SANTIFICAÇÃO DOS SACERDOTES

"A Eucaristia: fonte de santidade no ministério sacerdotal"

Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

Estimados amigos sacerdotes
O Dia Mundial para a Santificação dos Sacerdotes, que será celebrado no clima jubiloso da próxima Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, oferece-me a ocasião para reflectir juntamente convosco sobre o dom do nosso ministério sacerdotal, compartilhando a vossa solicitude pastoral para com todos os fiéis e toda a humanidade, e de maneira particular para com a porção do Povo de Deus, confiado aos vossos respectivos Ordinários, de quem vós sois os colaboradores solícitos e generosos.
O tema que desejo propor-vos no corrente ano coloca-se em sintonia com a Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, que o Santo Padre João Paulo II quis entregar-nos na Quinta-Feira Santa do ano passado, na circunstância do vigésimo quinto aniversário do seu Pontificado e do Ano do Rosário: "A Eucaristia: fonte e ápice de santidade no ministério sacerdotal".

1. Criados para amar

"Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo" (Lv 19, 2). O Livro do Levítico recorda-nos a graça e a finalidade de todo o fiel e, de modo particular, de cada ministro ordenado: a santidade, que é a intimidade com Deus, amor sem reservas pela Igreja e por todas as almas. A vocação ao sacerdócio "é essencialmente uma vocação à santidade, na forma que brota do sacramento da Ordem" (João Paulo II, Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, 33). Nas circunstâncias que lhe são próprias, lá onde Deus o colocou, o sacerdote é chamado a encontrar, a conhecer e a amar Jesus Cristo no exercício do seu próprio ministério e a identificar-se cada vez mais com Ele.

Se, na iminente solenidade do Sagrado Coração de Jesus, mantivermos o nosso olhar voltado para o Senhor, para o seu único, sumo e eterno Sacerdócio, os nossos horizontes alargar-se-ão para além dos confins da nossa vida quotidiana e a nossa existência enriquecer-se-á com uma dimensão mais universal e missionária.

"Eis que vos digo: erguei o vosso olhar e contemplai os campos: eles já estão dourados para a colheita" (Jo 4, 35). Estas palavras do Senhor ressoam, mesmo nos dias de hoje, no nosso coração e mostram o imenso horizonte da missão de amor do Verbo encarnado, missão esta que se faz nossa: Ela entrega-a como herança a toda a Igreja e, de maneira específica, no seu interior, a nós que somos os seus ministros ordenados. É verdadeiramente grande o mistério de amor, de que nós, sacerdotes, somos feitos ministros!

Os Actos dos Apóstolos recordam-nos que aquele mesmo Jesus com que os Apóstolos tinham vivido, com quem haviam comido, compartilhando o cansaço de cada dia, agora continua a estar presente também na sua Igreja.
Jesus Cristo está presente na Igreja não só porque continua a atrair a si todos os fiéis junto daquele Trono de graça e de glória, que é a sua Cruz redentora (cf. Cl 1, 20), formando com todos os homens, de todos os tempos, um só Corpo, mas também porque Ele está sempre presente no tempo e de forma eminente como Chefe e Pastor que ensina, santifica e governa constantemente o seu Povo. E esta presença realiza-se através do Sacerdócio ministerial que Ele desejou instituir no seio da sua Igreja. Por isso, cada sacerdote pode repetir que foi escolhido, consagrado e enviado para fazer emergir a contemporaneidade de Jesus Cristo, de quem se torna um autêntico representante e mensageiro (cf. Congregação para o Clero, Directório para o ministério e a vida dos Presbíteros, Tota Ecclesia, de 31 de Janeiro de 1974, n. 1).

A vida de Cristo, de Quem somos portadores, Christo foroi, é como a água que corre no meio dos precipícios rochosos e da terra árida, tornando-a fecunda. Com a vinda de Jesus Cristo ao tempo e ao espaço do homem, a história deixou de ser uma terra estéril, como era antes da Encarnação, para assumir um significado e um valor de esperança universal.

Nós "não podemos permitir-nos dar ao mundo a imagem de terra árida escrevia o Santo Padre, há pouco mais de quatro anos, na Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000 depois de termos recebido a Palavra de Deus como chuva descida do céu; nem jamais poderemos pretender tornar-nos um único pão, se impedirmos à farinha de se amalgamar pela água, que foi derramada sobre nós (cf. Santo Ireneu, Contra as heresias, III, 17: PG 7, 930)" (João Paulo II, Incarnationis mysterium, 4).

2. Com o Coração de Cristo

Aquilo que é necessário para alcançar a felicidade não é uma vida cómoda, mas um coração apaixonado, como o de Jesus Cristo. O Coração sacratíssimos e misericordioso de Jesus, traspassado por uma lança na Cruz, em sinal de entrega total de si mesmo, constitui uma fonte inesgotável da paz verdadeira, é uma manifestação integral daquele amor oblativo e salvífico com que Ele "nos amou até ao fim" (Jo 13, 1), lançando o fundamento da amizade de Deus com os homens.

A Solenidade do Sagrado Coração de Jesus convida-nos à alegria da caridade, numa entrega de nós mesmos aos outros: "Cantai ao Senhor um cântico novo, porque Ele realizou prodígios!" (Sl 97, 1).

Caros sacerdotes, os milagres são a vossa vida, mistério de predilecção divina e dom da sua misericórdia, expressos de maneira tão completa pelo profeta Jeremias: "Antes de te formar no ventre da tua mãe, Eu te conheci; antes que tu fosses dado à luz, Eu te consagrei, para fazer de ti profeta das nações" (1, 5). Não somente o sacerdócio, mas inclusivamente o caminho de preparação para o mesmo constitui uma dádiva que, como dizia São paulo, "ninguém pode atribuir-se a si mesmo, a não ser quem é chamado por Deus" (Hb 5, 4).

Pelo sacerdócio baptismal, todos nós somos servidores de Jesus Cristo. Como diz São Paulo, na segunda Carta aos Coríntios, somos os servidores da alegria dos homens (cf. 2 Cor 1, 24). Contudo, o ministério sacerdotal recordemo-lo com as palavras do Papa Paulo VI "não é uma profissão ou um serviço qualquer, exercido em benefício da comunidade eclesial, mas sim um serviço que participa de maneira absolutamente especial e com um carácter indelével no poder do sacerdócio de Cristo, graças ao sacramento da Ordem" (Paulo VI, Mensagem aos sacerdotes no encerramento do Ano da Fé, 30 de Junho de 1968).

Os homens desejam contemplar no sacerdote o rosto de Jesus Cristo, encontrar nele a pessoa que, "constituído para o bem dos homens nas coisas que se referem a Deus" (Hb 5, 1), possa dizer juntamente com Santo Agostinho: "A nossa ciência é Cristo e a nossa sabedoria é ainda Cristo. É Ele quem infunde em nós a fé em relação às realidades temporais e é Ele quem nos revela aquelas verdades que se referem às realidades eternas" (Santo Agostinho, De Trinitate, 13, 19, 24: NBA, 4, pág. 555).

3. Mediante a Eucaristia que é a nossa força e esperança

Os Evangelhos falam-nos da iniciativa de Jesus Cristo que, caminhando sobre a água, leva socorro e alívio aos Apóstolos, que se encontram na barca agitada pelas ondas do lago de Tiberíades (cf. Mt 14, 22-32)
Trata-se de um convite a vivificar a nossa plena confiança em Cristo. Ele repete também a nós a exortação que dirigiu aos navegantes: "Coragem, sou Eu, não tenhais medo" (Mt 14, 27)! Não nos deixemos amedrontar pelas dificuldades, tenhamos confiança nele! A vocação sacerdotal, implantada com eficácia por Cristo em vós e por vós acolhida com humildade generosa, como terra fecunda, sem dúvida dará frutos abundantes.

Como Pedro, vamos também nós ao encontro de Jesus Salvador, fixando o nosso olhar no seu Rosto misericordioso: somente o olhar do Crucificado e Ressuscitado, contemplado na nossa oração e no recurso à Confissão sacramental, pode superar a força de gravidade da nossa pequenez, dos nossos limites e dos nossos pecados. São João Crisóstomo, comentando este trecho do Evangelho, recorda-o afirmando: "Quando falta a nossa cooperação, também a ajuda da parte de Deus deixa de subsistir" (Comentário ao Evangelho de São Mateus, n. 50).

Especialmente na Eucaristia, descobrimos de novo a verdade e a eficácia das palavras e da acção de Jesus Cristo: "Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro e disse-lhe: "Homem de pouca fé, por que duvidaste?"" (Mt 14, 31). O braço de Deus sustém-nos e as águas obscuras, agitadas pela nossa soberba e pelo demónio, perderão o seu poder.

É da Eucaristia que nós havemos de haurir a força da caridade de Jesus Cristo. A este propósito, na Carta Encíclica sobre a Eucaristia, o Santo Padre escreveu: "Cada esforço de santidade, cada iniciativa para realizar a missão da Igreja, cada aplicação dos planos pastorais deve extrair a força de que necessita do mistério eucarístico e orientar-se para ele como o seu ponto culminante" (João Paulo II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 17 de Abril de 2003, n. 60).

Deus pede-vos, a vós sacerdotes diocesanos, missionários e religiosos, que vos prodigalizeis com entusiasmo neste ministério sagrado, em vista de redescobrir, especialmente na Eucaristia, a beleza da vossa vocação sacerdotal. Cada um se torne educador de vocações, sem ter medo de propor opções radicais na santidade.

Como afirmava o Santo Cura d'Ars, conscientes de que "o sacerdote é o amor do Coração de Jesus" (Esprit du Curé d'Ars, Maria Vianney dans ses catéchismes, ses homélies et sa conversation, Edition de Téqui, Paris, 1935, pág. 117), como deixar de recordar aqui que nada é mais exaltante do que um testemunho apaixonado da nossa própria vocação? "O Sacerdote dizia ainda São João Maria Vianney é algo tão imenso que, se ele mesmo o compreendesse, morreria" (Esprit du Curé d'Ars..., op. cit., pág. 113).

Como sentinelas da Casa de Deus, que é a Igreja, velemos a fim de que em toda a vida eclesial das nossas paróquias se reviva o encontro com Cristo crucificado e ressuscitado. Evitemos os recifes do activismo onde, por vezes, naufragaram os melhores projectos apostólicos e pastorais, e onde se tornaram infecundas muitas vidas comprometidas num serviço não adequadamente irrigado pela Palavra de Deus e pela sua presença na Eucaristia. Com as palavras do Santo Padre, repitamos: "Nos sinais humildes do pão e do vinho transubstanciados no seu corpo e sangue, Cristo caminha connosco, como nossa força e nosso viático, e torna-nos testemunhas de esperança para todos" (João Paulo II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 62).

Façamos com que os fiéis cristãos consigam reviver a experiência do Cenáculo que foi, num certo sentido, o primeiro Curso formativo dos Apóstolos. No Cenáculo o Mestre, depois de ter instruído os Doze, lavou-lhes os pés e, antecipando o Sacrifício cruento da Cruz, entregou-se a si mesmo inteiramente e para sempre, nos sinais do pão e do vinho. No Cenáculo, na expectativa do Pentecostes, os Apóstolos encontravam-se "assíduos e concordes na oração, juntamente com... Maria, Mãe de Jesus" (Act 1, 14).

No corrente ano celebra-se o Sesquicentenário da definição dogmática da Imaculada Conceição de Maria, proclamada pelo Beato Papa Pio IX no dia 8 de Dezembro de 1854. Por conseguinte invoquemos com particular confiança a Bem-Aventurada Virgem Imaculada. Peçamos-lhe, a Ela, Mulher "eucarística", que sustente sempre em nós o desejo de nos identificarmos plenamente com o seu Filho, de sermos ipse Christus, alter Christus, a fim de sermos em todos os lugares arautos do Evangelho, peritos em humanidade, conhecedores do coração do homem contemporâneo, partícipes das suas alegrias e esperanças, das suas angústias e tristezas, e para sermos, ao mesmo tempo, contemplativos, apaixonados de Deus.

Dirijamo-nos a Maria, Rainha dos Apóstolos e Mãe dos sacerdotes. E peçamos-lhe que nos acompanhe ao longo do nosso caminho ministerial, como acompanhou os Apóstolos e os primeiros discípulos no Cenáculo.

A Ela, Estrela da evangelização, dirijamo-nos com confiança a fim de que, pela sua intercessão, o Senhor conceda a cada um o dom da fidelidade à vocação presbiteral. Que a Imaculada Conceição resplandeça no centro das nossas comunidades eclesiais e as transforme num sinal elevado entre os homens, "como uma cidade construída sobre um monte", e também como "uma lâmpada colocada no candeeiro, que brilhe para a todos" (cf. Mt 5, 14-15)!

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