segunda-feira, maio 24, 2010

O Caminho Cartusiano

O fim : a contemplação

...descobrir a imensidão do amor. (Estatutos 35, 1)

O fim principal do caminho cartusiano é a CONTEMPLAÇÃO. Viver tão continuamente quanto seja possível à luz do amor de Deus para conosco, manifestado em Cristo, pelo Espírito Santo.
Isto supõe de nossa parte a pureza de coração, ou a caridade: «Ditosos os limpos de coração, porque eles verão a Deus.» (Mt 5, 8)
A tradição monástica chama a este fim a oração pura e contínua.

Os frutos da contemplação são: a liberdade, a paz, a alegria. O Bonitas! ¡Oh Bondade!, era a exclamação de alegria que brotava do coração de Bruno. Mas a unificação do coração e a entrada no repouso contemplativo supõem um longo caminho. Os nossos Estatutos o descrevem da maneira seguinte :

Aquele que persevera firme na cela e por ela é formado, tende a que todo o conjunto de sua vida se unifique e converta numa constante oração. Mas não poderá entrar neste repouso sem ter-se exercitado no esforço de duro combate, já pelas austeridades nas que se mantém por familiaridade com a cruz, já pelas visitas do Senhor mediante as quais o prova como ouro no crisol. Assim, purificado pela paciência, consolado e robustecido pela assídua meditação das Escrituras, e introduzido no profundo de seu coração pela graça do Espírito, poderá já não só servir a Deus, senão também unir-se a Ele. (Estatutos 3, 2)

Portanto, toda a vida monástica consiste nesta marcha para o fundo do coração e todos os valores de nossa vida estão orientados para esse fim. Estes valores ajudam o monge a unificar a sua vida na caridade e a introduzi-lo no profundo de seu coração.

Falando com propriedade, este fim não nos distingue dos demais monges contemplativos (Cistercienses, Beneditinos...), mas é o caminho empreendido, cujas características essenciais são as seguintes :

  • a solidão
  • certa combinação de vida solitária e de vida comunitária
  • a liturgia cartusiana

A solidão

Compartilhamos alguns valores monásticos com outros monges contemplativos: a ascese (vigílias e jejuns), o silêncio, o trabalho, a pobreza, a castidade, a obediência, a escuta da Palavra, a oração, a humildade. Outros, são-nos próprios.

A primeira característica essencial da nossa vida é a vocação à solidão, à qual somos especialmente chamados. O monge Cartuxo procura a Deus na solidão.

A nossa principal aplicação e propósito consistem em nos dedicar ao silêncio e à solidão da cela. Esta é a terra santa e o lugar onde o Senhor e o seu servo conversam frequentemente como dois amigos. É nela que muitas vezes a alma fiel se une ao Verbo de Deus, a esposa convive com o Esposo, as coisas da terra se ligam às do Céu, as humanas às divinas. (Estatutos 4, 1)

A solidão se vive a três níveis :

  1. a separação do mundo
  2. a guarda da cela
  3. a solidão interior, ou a solidão do coração

1. A separação do mundo se leva a cabo pela clausura. Não saímos do mosteiro senão para um passeio semanal (espaciamento). Não recebemos visitas nem exercemos apostolado exterior algum. No mosteiro não temos rádio nem televisão. O Prior é quem recebe as notícias e transmite aos monges o que não devem ignorar. Assim se encontram reunidas as condições necessárias para que se desenvolva o silêncio interior que permite à alma permanecer atenta à presença de Deus.

2. A Cela é uma moradia acondicionada para proporcionar ao Cartuxo a solidão tão completa quanto seja possível, assegurando-lhe o necessário para a vida. Cada cela consiste num pequeno apartamento de um ou dois pisos, rodeado de um pequeno jardim, onde o monge permanece em solidão a maior parte do dia durante toda a sua vida.

Devido a esta solidão, a cada uma de nossas casas se chama deserto ou ermo.

3. No entanto, a clausura e a guarda da cela não asseguram mais do que uma solidão exterior. É o primeiro passo que favorece a solidão interior, ou a pureza do coração: manter seu coração afastado de quanto não é Deus ou não conduz a Deus. É a este nível que o Cartuxo se enfrenta com as veleidades da sua imaginação e as flutuações da sua sensibilidade. Enquanto o monge disputar com o seu 'eu', suas sensibilidades, seus pensamentos inúteis, seus desejos irreais, ainda não está centrado em Deus. É aqui que ele experimenta realmente a sua fragilidade e o poder do Espírito Santo e onde aprende pouco a pouco «...o costume da tranqüila escuta do coração, que deixe entrar a Deus por todas suas portas e sendas.» (Estatutos 4, 2 )

Acolhida ?
Na Cartuxa, as celebrações litúrgicas não incluem um fim pastoral. Assim se explica por que não se admitem a participar na Missa ou nos ofícios celebrados na igreja dos nossos mosteiros as pessoas que não pertencem à Ordem. Por vocação à solidão, a acolhida se limita à família dos monges (2 dias ao ano) e aos aspirantes a nosso gênero de vida (exercitantes).

Vida solitária e vida comunitária

Uma comunhão de solitários

A graça do Espírito Santo congrega aos solitários para formar uma comunhão no amor, à imagem da Igreja, que é uma e se estende por todas as partes. (Estatutos 21, 1)

O característico da Cartuxa se deve, em segundo lugar, à parte de vida comum que está indissoluvelmente unida ao aspecto solitário. Este foi o rasgo genial de S. Bruno, inspirado pelo Espírito Santo: ter sabido combinar desde o princípio uma proporção equilibrada de vida solitária e de vida comum, de forma que a Cartuxa chegasse a ser uma comunhão de solitários para Deus. Solidão e vida fraterna se equilibram mutuamente.

A vida comunitária tem cada dia sua manifestação concreta na liturgia cantada na igreja. E todas as semanas, em reuniões da comunidade: ao domingo, no momento da comida do meio-dia tomada em silêncio no refeitório e, depois da comida, durante a recreação semanal. Além disso, no primeiro dia da semana, um passeio longo, de cerca de quatro horas (o espaciamento) durante o qual falamos; permite-nos conhecermo-nos melhor. Estas recreações e passeios têm como fim cultivar o mútuo afeto e favorecer a união dos corações, ao mesmo tempo em que asseguram o equilíbrio físico.

Padres e Irmãos

Uma comunidade cartusiana está formada por monges do claustro, sacerdotes ou aqueles que são destinados a sê-lo (Padres) e por monges conversos ou donatos (Irmãos). Os monges do claustro vivem uma solidão mais estrita. Não saem de sua cela fora das ocasiões previstas pela Regra (ordinariamente três vezes ao dia para a liturgia; algo mais freqüentemente no domingo). Ali se ocupam na oração, na leitura e no trabalho (serrar madeira para aquecer-se no inverno, cultivar o jardim, datilografia, carpintaria...). Os Irmãos asseguram, com seu trabalho fora da cela, os diferentes serviços da comunidade (cozinha, carpintaria, lavagem de roupa, exploração do bosque...). Trata-se de um mesmo ideal, vivido de duas maneiras diferentes. Os Irmãos, quanto é possível, também trabalham em silêncio e solidão. Têm sua parte de vida na cela, mas não tanto como os Padres. As duas fórmulas se completam para formar a única Cartuxa e correspondem a aptidões diferentes daqueles que desejam entrar na vida cartusiana

Na forma de vida dos Irmãos, ainda existem duas opções possíveis, a dos religiosos chamados Conversos (monges que emitem exatamente os mesmo votos que os Padres) e a dos Donatos.
Estes são monges que não pronunciam votos mas, por amor a Cristo, entregam-se à Ordem por um compromisso (contrato recíproco). Têm costumes próprios que diferem dos costumes dos conversos: sua assistência aos Ofícios, sobretudo ao Ofício da noite, é menos estrita, estão menos obrigados a orações vocais, etc. Vivem sem ter nada como próprio, conservam, no entanto, a propriedade e disposição de seus bens. Ao cabo de sete anos podem comprometer-se definitivamente, fazendo a doação perpétua, ou entrar num regime de renovação trienal de sua doação. Sua oferenda não é menos sincera do que a dos demais monges, sendo que cumprem trabalhos dificilmente compatíveis com as observâncias dos conversos.
As monjas admitem os mesmos tipos de vocação com os nomes de monjas de coro, monjas conversas e monjas donatas.

A liturgia cartusiana

Características da liturgia cartusiana

Desde sua chegada à Cartuxa, S. Bruno e seus colegas formaram uma liturgia particular adaptada a sua vocação eremítica e à dimensão reduzida de sua comunidade. Ao longo dos séculos, nossos pais trataram de conservar esta liturgia acomodada à nossa vida solitária e contemplativa.
Em comparação com a liturgia romana, o rito cartusiano se caracteriza por uma grande simplicidade e uma sobriedade a nível de formas exteriores que, além das expressões visíveis e sensíveis, favorecem a união da alma com Deus.

Alguns elementos da nossa liturgia :

  • muitos tempos de silêncio
  • a proibição de todo instrumento musical
  • o canto gregoriano, que fomenta a interioridade

A celebração cotidiana da liturgia

A celebração do sacrifício eucarístico é o centro e o cume da vida comunitária:
os monges se reúnem para celebrar a Páscoa do Senhor. Esta eucaristia não pode ser concelebrada mais do que nos dias em que a vida cartusiana reveste um caráter especialmente comunitário: domingos e grandes festas. Ordinariamente, não há mais do que um celebrante no altar, e a prece eucarística se diz em voz baixa. A comunidade participa nesta liturgia eucarística pelo canto gregoriano, a oração interior e a comunhão.
A outra hora, cada monge sacerdote celebra os santos mistérios numa capela solitária, fazendo sua a aplicação universal própria do sacrifício eucarístico.

Outro tempo forte do dia eucarístico é o ofício celebrado na igreja à meia noite (Matinas e Laudes): durante duas ou três horas, segundo os dias, alternam o canto dos salmos e leituras da sagrada escritura ou Padres da Igreja, tempos de silêncio e preces de intercessão. Este longo ofício é particularmente apreciado por todos os cartuxos. Nele, cada um, unido a seus irmãos, ainda que de uma maneira pessoal, pode viver uma intensa e profunda comunhão com Deus.

O canto com notas (antífonas, responsórios, hinos, próprio da missa, Kyrial) canta-se sempre em latim, segundo as antigas e formosas melodias gregorianas próprias dos cartuxos. A salmodia se pode cantar na língua própria do país (português, espanhol, italiano, francês e inglês). As leituras, dizem-se na língua própria. Na cela se pode dizer o ofício em latim ou em língua vernácula.

Ao fim do dia, os monges se encontram de novo na igreja para celebrar o oficio de Vésperas. As demais partes do oficio divino são celebradas por cada monge na sua cela, exceto aos domingos e em certos dias de festa, em que se cantam na igreja. Os cartuxos, além do oficio divino, recitam diariamente na cela o oficio de Nossa Senhora e, una vez por semana, um oficio especial em sufrágio dos defuntos: É o momento em que intercedem perante Deus para que acolha no seu Reino eterno a todos os que já deixaram este mundo.

Graças à liturgia, a Cartuxa não é um grupo de solitários isolados entre si, senão que formam una verdadeira comunidade monástica, manifestando desta forma o mistério da Igreja e dando um lugar ao culto público que com sua oração tributa a Deus.


No coraçao da Igreja e do mundo

Separados de todos, unimo-nos a todos, para, em nome de todos, permanecer na presença do Deus vivo. (Estatutos 34, 2)

O louvor

O Cartuxo não escolheu a solidão por si mesma, senão porque vê nela um excelente meio para ele, de chegar à mais íntima união com Deus e com todos os homens. É entrando na profundidade de seu coração que o Cartuxo chega a ser solitário, em Cristo, presente em todo o ser humano. Faz-se solitário por querer ser solidário. Os contemplativos estão no coração da Igreja. Cumprem uma função essencial da comunidade eclesial: a glorificação de Deus. O Cartuxo se retira ao deserto, antes de mais nada, para adorar a Deus, louva-lo, contempla-lo, deixar-se seduzir por Ele, entregar-se a Ele, em nome de todos os homens. A Igreja lhe encarregou-o de que, em nome de todos, seja uma alma de contínua oração.

A intercessão

Desde sempre a Igreja reconhece que os monges, entregues unicamente à contemplação, desempenham o ofício de intercessores. Como representantes de toda a criação, cada dia, em todos os ofícios litúrgicos e no momento da Eucaristia rezam pelos vivos e defuntos.

Testemunho

Tendendo por nossa Profissão unicamente para Aquele que é, damos testemunho perante um mundo demasiado implicado nas coisas terrenas, de que fora dele não há outro Deus. Nossa vida manifesta que os bens celestiais estão presentes já neste mundo, prenuncia a ressurreição e antecipa de algum modo a renovação do mundo. (Estatutos 34, 3)

Para o solitário, ser portador de semelhante testemunho não o leva a cabo nem pela palavra, nem pelo contato pessoal. Unicamente só pela sua presença, o monge testemunha que Deus existe e que pode encher o coração do homem.

A penitência

O caminho ascético associa o Cartuxo à obra de Cristo, para a salvação do mundo:

Pela penitência participamos na obra de salvação de Cristo o qual redimiu o mundo escravo do pecado, especialmente com sua oração ao Pai e sacrificando-se a Si mesmo. Por isto, os que pretendemos viver este aspecto cristão da missão de Cristo, ainda que não nos dediquemos a nenhuma ação externa, no entanto exercitamos o apostolado de uma maneira preeminente. (Estatutos 34, 4)

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