Entrevista do postulador da causa de canonização, Pe. Kolodiejchuk, à Agência Zenit sobre o livro
O  Pe. Brian Kolodiejchuk, postulador da causa de canonização de Madre  Teresa de Calcutá, é o autor do livro "Come Be My Light", que recolhe os  escritos da beata, em parte inéditos, revelando o sofrimento de não  experimentar o amor de Deus. Em entrevista à Agência Zenit (Roma), o  autor fala desta "noite escura", que tanta polémica tem gerado.
 
Agência Zenit (AZ) - A  extraordinária vida interior da Madre Teresa foi descoberta depois da  sua morte. Segundo os seus directores espirituais, como era a sua vida,  especialmente seu sofrimento de escuridão espiritual, oculto a todos os  que a conheceram?Pe. Brian Kolodiejchuk (BK) -  Ninguém fazia sequer a menor ideia do que ela vivia interiormente, pois  os seus directores espirituais conservavam estas cartas. Os jesuítas  conservam algumas, outras estão na arquidiocese e o Pe. Joseph Neuner,  outro dos seus directores espirituais, tem algumas. Estas cartas foram  descobertas quando buscávamos os documentos para a causa.
Enquanto  vivia, a Madre Teresa pediu que sua informação biográfica não se desse a  conhecer. Pediu ao Arcebispo Ferdinand Périer, de Calcutá, que não  dissesse a nenhum outro bispo como começou tudo. Disse-lhe: "Por favor  não diga nada dos inícios porque, uma vez que as pessoas conheçam os  inícios, quando ouvem falar das locuções interiores, então a atenção se  centrará em mim e não em Jesus". Ela dizia sempre: "Obra de Deus. Esta é  a obra de Deus".
Inclusive as irmãs mais próximas dela não conheciam  a sua vida interior. Muitos poderiam ter pensado que ela tinha uma  grande intimidade com Deus e que esta iluminava o seu caminho no meios  das dificuldades da Ordem ou da pobreza material que sofreu.
AZ -  O livro fala do voto secreto que ela fez no princípio da sua vocação,  pelo qual prometeu não negar a Deus nada que tivesse a ver com a dor  provocada pelo pecado mortal. Que papel desempenhou este voto na sua  vida?BK -  Madre Teresa fez o voto, em 1942, de não negar nada a Deus. As suas  cartas inspiradas por Jesus chegaram logo depois. Em várias cartas,  Jesus lhe pergunta, comentando o seu voto: "Deixarás de fazer isso por  mim?".
Portanto, o voto é o substrato da sua vocação. Depois, nas  cartas inspiradas, vê-se que Jesus lhe explica o seu chamamento. Ela  então segue adiante porque sabe que Jesus quer. Está motivada pelo  pensamento da dor de Jesus, porque os pobres não o conhecem e, portanto,  não o amam.
Este foi um dos pilares que a manteve no seu caminho  através da prova da escuridão. Graças à certeza do seu chamamento e a  este voto, numa das cartas escreve: "Estive a ponto de deixá-lo e então  recordei o voto, e isso me fez levantar-me".
AZ - Falou-se  muito sobre a noite escura da Madre Teresa. O seu livro descreve-a como  um "martírio de desejo". A sua sede de Deus foi desconhecida durante  muito tempo. Pode descrevê-la?BK - Um  bom livro para ler e compreender algumas dessas coisas é "Fire Within"  (Fogo interior), do Pe. Thomas Dubay, que fala do sofrimento da perda e  do sofrimento da sede para explicar que o sofrimento da sede é mais  duro.
Como declara o Pe. Dubay, no caminho para a autêntica união com  Deus, existe a etapa purgativa, chamada "noite escura", e depois a alma  entra num estado de êxtase e verdadeira união com Deus.
No caso da  Madre Teresa, parece que a etapa purgativa aconteceu durante a sua  formação no convento de Loreto. No momento de sua profissão, disse a uma  companheira que com frequência experimentava a escuridão. As cartas  dessa época são as típicas cartas de uma pessoa que está na "noite  escura".
O Pe. Celeste Van Exem, seu director espiritual naquela  época, disse que provavelmente em 1946 ou 1945 se encontrava já perto do  êxtase.
Depois há uma referência ao momento em que apareceram as  inspirações e as locuções interiores, o momento no qual as dificuldades  de fé cessaram.
Posteriormente, a Madre Teresa escreveu ao Pe.  Neuner, explicando: "Você sabe como Ele actuou. E foi como se nosso  Senhor se entregasse a mim plenamente. Mas a doçura, o consolo e a união  daqueles seis meses passados desapareceu logo".
De maneira que a  Madre Teresa experimentou seis meses de intensa união, após as locuções  interiores e o êxtase. Estava já na etapa espiritual da união  transformadora. Nesse momento, voltou a escuridão.
Mas, a partir de  então, a escuridão que experimentava acontecia juntamente com a união  com Deus. Isso não significa que viveu a união e depois a perdeu. Perdeu  a consolação da união que se alternava com a dor da perda e com uma  profunda nostalgia de Deus, uma verdadeira sede.
Como dizia o Pe.  Dubay, "às vezes a contemplação é deleitosa, e outras vezes é  substituída por uma forte sede de Deus". Mas no caso da Madre Teresa,  com excepção de um mês, em 1958, ela não teve esta consolação da união.
Há  uma carta na qual ela diz: "Não, padre, não estou só, tenho sua  escuridão, tenho a sua dor, tenho uma terrível nostalgia de Deus. Amar e  não ser amado, eu sei que tenho Jesus na união que não foi quebrada,  minha mente está fixa n’Ele e só n’Ele".
A sua experiência da  escuridão na união é sumamente rara, inclusive entre os santos, pois  para a maioria o final é a união sem escuridão.
O seu sofrimento,  então – utilizando o termo do teólogo dominicano Reginald  Garrigou-Lagrange –, deve-se mais aos pecados dos outros do que ao  carácter purificador dos seus próprios pecados. Está unida a Jesus com  uma fé e um amor capazes de levá-la a partilhar a sua experiência do  Getsemani e da cruz.
Madre Teresa comentou que o sofrimento no  Getsemani foi pior que o da cruz. E agora compreendemos de onde vinha  isso, porque ela tinha compreendido a sede de almas de Jesus.
O  importante é que se trata de uma união. Como indicava Carol Zaleski num  artigo publicado na revista "First Things", esse tipo de prova é novo.  Trata-se de uma experiência moderna de santos dos últimos 100 anos:  sofrer o sentimento de que não se tem fé e de que a religião não é  verdadeira.
Sofrimento
Na  segunda parte desta entrevista concedida à agência Zenit, o padre Brian  Kolodiejchuk, missionário da Caridade, explica pontos centrais do livro  que acaba de publicar.
AZ -O  nome do livro, "Vem ser a minha luz", foi um pedido de Jesus à Madre  Teresa. Como se relaciona o seu sofrimento redentor pelos demais, no  meio dessa profunda escuridão, com o seu carisma particular?
BK -  Durante os anos 50 do século passado, Madre Teresa rendeu-se e aceitou a  escuridão. O padre Joseph Neuner [um dos directores espirituais, ndr]  ajudou-a a compreender isso, relacionando a escuridão com o seu carisma:  saciar a sede de Deus.
Ela costumava dizer que a maior pobreza  era não se sentir amado, solicitado, cuidado por ninguém, e era  exactamente o que ela estava a viver na sua relação com Jesus. O seu  sofrimento redentor era parte da vivência do seu carisma ao serviço dos  mais pobres entre os pobres.
De maneira que, para ela, o  sofrimento era não só um meio para identificar-se com a pobreza física e  material, mas, no âmbito interior, identificava-se com os não amados,  com os que estão sozinhos, com os que são rejeitados.
Renunciou à sua própria luz interior para iluminar os que viviam na escuridão, dizendo: "Sei que não são mais que sentimentos".
Numa  carta a Jesus, escreveu: "Jesus, ouve minha oração, se isso te agrada.  Se minha dor e sofrimento, minha escuridão e separação te dá uma gota de  consolação, faz comigo o que queiras, todo o tempo desejes. Não olhes  aos meus sentimentos nem à minha dor".
"Sou tua. Imprime em minha  alma e vida os sofrimentos do teu coração. Não olhes aos meus  sentimentos, não olhes nem sequer à minha dor".
"Se a minha  separação de ti permite que outros se aproximem de ti e tu encontras  alegria e deleite no seu amor e companhia, quero de todo coração sofrer o  que sofro, não só agora, mas pela eternidade, se for possível".
Numa  carta às suas Irmãs, torna mais explícito o carisma da Ordem: "Minhas  queridas filhas, sem sofrimento, nosso trabalho seria somente trabalho  social, muito bom e útil, mas não seria obra de Jesus Cristo, não  participaria da redenção. Jesus desejava ajudar-nos partilhando a nossa  vida, nossa solidão, nossa agonia e morte. Tudo isso ele assumiu em si  mesmo e levou-o à noite mais escura. Somente sendo um de nós podia  redimir-nos".
A nós, permite-nos fazer o mesmo: toda a desolação  dos pobres, não apenas a sua pobreza material, mas também a sua profunda  miséria espiritual, deve ser redimida e compartilhada. Orai, então,  assim quando isso se torne difícil: «Quero viver neste mundo que está  longe de Deus, que se distanciou da luz de Jesus, para ajudá-lo, para  carregar uma parte do seu sofrimento»".
E isso resume o que  considero o fundamento da sua missão: "Se um dia chegar a ser santa,  seguramente serei uma santa da 'escuridão'. Continuarei ausente do Céu  para dar luz aos que estão na escuridão na terra…"
Assim compreendeu a  sua escuridão. Muitas das coisas que disse têm mais sentido e acabam  por ser mais profundas agora que sabemos isso.
AZ -Então,  o que dizer a quem qualifica a sua experiência como uma crise de fé e  que ela realmente não acreditava em Deus, ou a quem sugere que a sua  escuridão era um sinal de instabilidade psicológica?BK - Ela  não teve crises de fé, ou falta de fé, mas teve uma prova de fé na qual  experimentou o sentimento de que ela não acreditava em Deus. Esta prova  requereu muita maturidade humana, porque, se não, não teria sido capaz  de suportá-la. Teria ficado desequilibrada.
Como disse o padre  Garrigou Lagrange, é possível experimentar simultaneamente sentimentos  contraditórios entre si. É possível ter uma "alegria cristã objetiva",  como a chamou Carol Zaleski, e ao mesmo tempo entrar na prova ou  sentimento de não ter fé.
Não há duas pessoas aqui, mas uma pessoa com sentimentos em diferentes níveis.
Podemos  realmente estar a viver a cruz de algum modo – é dolorosa e faz doer–  e, ainda que a espiritualizemos, isto não tira a dor. Agora, ao mesmo  tempo, podemos estar alegres porque estamos a viver com Jesus e isto não  é falso.
Aqui está o como e o porquê a Madre Teresa viveu uma vida tão cheia de alegria.
AZ -Como postulador de sua causa de canonização, quando crê que poderemos chamá-la santa?BK - Precisamos  de outro milagre – examinamos alguns, mas nenhum é suficientemente  claro. Houve um para a beatificação, mas estamos à espera do segundo.
Talvez  Deus tenha esperado que se publicasse antes o livro, pois muitos tinham  a Madre Teresa por santa, mas era tão simples e se expressava de uma  maneira tão simples que não compreendiam a profundidade da sua  santidade.
No outro dia, escutei dois sacerdotes falarem sobre  isso. Um dizia que nunca tinha sido muito fã da madre Teresa porque  pensava que era piedosa, devota, e que fez obras admiráveis, mas que  quando ouviu falar da sua vida interior, isso mudou o que pensava dela.
Agora temos algo mais que uma mera ideia da sua evolução espiritual e uma parte da sua profundidade foi revelada.
Assim que chegue o milagre, demoraremos pelo menos dois anos, ainda que o Papa possa acelerar o processo se desejar.
AZ -O que aconteceu com a Ordem [Missionárias da Caridade, ndr] desde a morte da Madre Teresa?BK -  A Ordem cresceu quase em mil irmãs, passou de 3850 para a 4800, hoje, e  acrescentamos cerca de 150 casas em mais de 14 países. A obra de Deus  continua.