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segunda-feira, fevereiro 07, 2011

Espírito e Vida das Carmelitas Descalças



As Carmelitas Descalças formam o ramo feminino contemplativo da Ordem fundada por Santa Teresa de Jesus (de Ávila). A obra da Santa Madre do Carmelo Reformado iniciou-se com a fundação do mosteiro de São José de Ávila no dia 24 de agosto de 1562. Portanto, as monjas são o primeiro grande fruto do carisma da Santa Carmelitana que, posteriormente, estende-se na fundação de conventos de frades com a colaboração de São João da Cruz. Mais tarde também a ordem vai estender-se na formação de um ramo formado por leigos.


"O essencial da vida das monjas carmelitas é a busca incessante do encontro com Deus e da experiência da sua presença; do cultivo de uma íntima amizade com Cristo através de uma intensa vida de oração, no silêncio e na solidão; o tom mariano confere às monjas um exercitar-se contínuo no desenvolvimento das virtudes de Maria, mãe e mestra da conformação a Cristo; com a oração e o sacrifício como oferta de si, querem contribuir para a renovação interior do mundo e da Igreja, apontando, com sua vida toda dedicada à sinalização do "unicum necessarium.
A carmelita deve ser apostólica: todas as suas orações, todos os seus sacrifícios tendem a isso. A vida do sacerdote como a da carmelita é um advento que prepara a Encarnação nas almas. Um e outra podem irradiar Deus, doá-Lo às almas somente se permanecem em contato com as fontes divinas..."


"Do fundo da mia solidão do Carmelo, quero ser apóstolo, quero trabalhar pela glória de Deus e para isso é preciso que eu seja toda plena d'Ele. Então serei onipotente: um olhar, um desejo que formem uma oração irresistível que pode obter tudo porque, em certo modo, é Deus mesmo que oferecemos a Deus. Que as nossas almas sejam uma alma só n'Ele, e enquanto o sacerdote O leva às almas, eu ficarei em silêncio e em adoração junto ao Mestre como Madalena que ora para tornar fecunda nas almas a sua Palavra. Apóstolo e Carmelita são a mesma coisa! Demo-nos totalmente a Ele, deixemo-nos invadir pela sua linfa divina; que Ele seja a vida da nossa vida, a alma da nossa alma e permaneçamos conscientemente, gia e noite, sob a sua ação divina" (Carta 171).


"Amo contemplar a minha vida de carmelita nesta dúplice vocação: Virgem e Mãe. Virgem, casada com o Cristo na fé. Mãe, salvando as almas, multiplicando os filhos adotivos do Pai, os co-herdeiros de Jesus Cristo.
Parece-me que no céu a minha missão será aquela de atrair as almas ajudando-as a sair de si mesmas para aderir a Deus, com um moto totalmente espontâneo e cheio de amor, e de tê-Lo naquele grande silêncio interno que permite a Deus de imprimir-se neles, de transformar-lhes n'Ele mesmo. Ora, tenho a impressão de ver todas as coisas à luz do bom Deus. Oh, se pudesse recomeçar a minha vida, como queria não perder um só instante! A nós, esposas do Carmelo, não nos é permitido fazer outra coisa que amar, que viver em modo divino" (Carta 280).


Certas de que a oração transforma e santifica o mundo, santa Madre Teresa era convicta que uma vida de oração não se sustenta senão com a humildade, pobreza e o amor fraterno. Por isso as monjas buscam viver em comunidade, amando-se na partilha da vida e do trabalho, na alegria, no respeito e na simplicidade, procurando serem amigas e querendo-se bem. Por este motivo Santa Madre quis que as suas comunidades fossem pequenas no número de componentes, para favorecer o encontro cordial, amigável e afável entre todas. Santa Teresa idealizou e organizou seus Carmelos como comunidades orantes, pequenas e pobres, reunidas pelo amor ao redor do Cristo, com estilo próprio de alegria, fraternidade e humildade.

"Para uma carmelita não existe senão uma ocupação: amar e orar. Mas porque, ainda que vivendo já no céus, ela tem um corpo sobre a terra, deve, neste abandono de amor, estar ocupada para cumprir a vondade do Senhor... A jornada de uma carmelita é assim preenchida minuto por minuto pelo trabalho e pela oração... Queria que me observasse lavando a roupa no tanque com as vestes toda molhada... Com Jesus tudo é delicioso, não há mais dificuldade nem tédio algum em nada... Oh! Como se está bem no Carmelo!..." (Beata Elisabete da Trindade).

Teresa, para combater o mal que afligia o mundo, decidiu viver o Evangelho "com toda possível perfeição", junto a um pequeno grupo de irmãs, o "pequeno colégio de Cristo", enamoradas por Jesus e unidas entre elas por uma profunda amizade. Na organização da vida da comunidade busca-se viver nesta fidelidade e todos os momentos encontram naquele grande objetivo seu sentido.

Os diversos momentos da vida no Carmelo

Despertar: "Louvado seja o Senhor Jesus e a Virgem Maria sua Mãe... À oração, irmãs, ao louvor ao Senhor".

Ofício divino (6 momentos durante o dia): "É tão agradável unir-se ao céu para cantar seus louvores, nessa hora em que o Senhor se encontra tão só... parece então que o céu é a terra e que se unem para entoar um mesmo cântico." (Elisabete da Trindade)


"Os salmos são preciosos e são um grito humilde e confiado que a criatura dirige a seu Pai do Céu. A alma que verdadeiramente se enche deles ficará muito perto do céu, pois cantar o ofício é fazer o que fazem os anjos no céu." (Teresa de los Andes)

"Todo louvou divino se dá por Cristo e em Cristo." (Edith Stein)

"Creio de estar no céu quando estou no coro cantando os louvores à Santíssima Trindade. Jesus também canta com suas carmelitas, Ele eleva junto com suas esposas esse clamor puro e suplicante pelo mundo a seu eterno Pai." (Teresa de los Andes)

Oração mental (2 horas durante o dia): "Para mim a oração é um impulso do coração, um simples olhar dirigido ao Céu, um grito de agradecimento e de amor." (Santa Teresinha)

"A oração não consiste em pensar muito, mas em amar muito. Vede com que amos Ele nos olha." (Santa Teresa)

Eucaristia: "Quem na comunhão O recebe no mais fundo da alma, sentirá atraído mais e mais para a corrente da vida divina e o seu coração será configurado ao coração de Cristo." (Santa Edith Stein)

Trabalho manual: "Seja que cozinhe, trabalhe ou faça oração, tudo me resulta encantador, porque descubro a meu Divino Maestro em todas as partes. A Deus se encontra do mesmo modo, seja na lavanderia como na oração." (Elisabete da Trindade)

Exame de consciência (ao meio dia e à noite): "Quando o exame de consciência nos demonstra que muitas coisas ficaram por fazer, então é bom assumir tudo e deixá-lo nas mãos de Deus... voltaremos a encontrar a paz." (Edith Stein)

Refeições: "A mesa comum é símbolo da comunhão fraterna: durante as refeições as irmãs escutarão a leitura da Bíblia ou outras leituras úteis." (Constituições, 93)

Recreação: "Tudo é alegria e simplicidade no Carmelo e cada um se esmera em colocar um pouco de sua parte para alegrar as irmãs.

Nos divertimos muitíssimo... todas não fomamos senão um só coração." (Teresa de los Andes)

"Procurai dasafogar-se com as irmãs quando recreardes. Sede afáveis e procurem agradar e fazê-las felizes... quanto mais santas mais 'conversáveis' sereis com suas irmãs." (Santa Teresa)

Retiro na cela: "Quão bom é estar em minha querida cela! Tudo está tão cheio de Deus. Passo horas felizes a sós com meu Esposo. Para mim a cela é um santuário destinado só para Ele e para sua pequena esposa... eu calo e O escuto." (Elisabete da Trindade)

Leitura espiritual / formação: é muito bom 'letras' para tudo... Tenham bons livros, porque é tão necessário para a alma quanto a comida para o corpo." (Santa Teresa)

Trabalho: "Obras quer o Senhor e se vês uma enferma compadece-te dela e procura adiantar-te nos trabalhos para livrá-los do próximo, quando se oferecer." (Santa Teresa)

Repouso: "Obrigado por todos os benefícios que me concedeu neste dia. Amanhã, com a ajuda da tua graça, começarei uma nova vida.
Depois de vir assim cada noite, chegarei por fim à última noite da minha vida e então começará para mim o dia sem ocaso da eternidade, no qual descansarei sobre teu Divino Coração." (Santa Teresinha)

Sinal da dignidade da pessoa humana


"Santa Teresa diz que a alma é como um cristal no qual se reflete a Divindade. Eu gosto tanto desta comparação e quando vejo o sol invadir com os seus raios os nossos claustros, penso que Deus invada do mesmo modo a alma que não busca outra coisa senão Ele. Nosso Santo Padre João da Cruz diz: "Tu que és a mais bela das criaturas, alma que desejas tão ardentemente conhecer o lugar onde se encontra o teu Dileto para aí buscá-lo e unir-te a ele, és tu, tu mesma, o canto onde ele se refugia, a morada onde ele se esconde. O teu Dileto, o teu tesouro, a tua única esperança, é tão próximo de ti que habita em ti mesma, e, a bem da verdade, tu não poderias existir sem Ele!" Eis toda a vida do Carmelo: viver nele. Então todos os sacrifícios, todas as imolações tornam-se divinas, e a alma, em cada coisa, vê aquele que ama e tudo leva a ele: trata-se de um contínuo coração a coração!" (Elisabete da Trindade)

Testemunhas de uma felicidade indizível


"A minha felicidade cresce sempre, assume proporções infinitas como Deus mesmo. É uma felicidade calma, tão doce! S. Pedro na sua primeira carta diz: "Porque credes, sereis colmados de uma alegria inefável". Sou convicta que a carmelita alcança realmente toda a sua felicidade nesta fonte divina: a fé. Ela crê, como diz S. João, "no amor que Deus tem por ela", crê que este mesmo amor o atraiu sobre a terra e na sua alma; porque aquele que se é chamado a "Verdade" disse no Evangelho: "Permanecei em mim e eu em vós". Então, com toda simplicidade, ela obedece a um mandamento tão doce e vive na intimidade com aquele Deus que nela habita, que é mais presente de quanto não seja ela a si mesma. Tudo isto não é sentimento, nem imaginação. É pura fé.
Eis a vida da carmelita. Ela é antes de tudo uma contemplativa, uma nova Maria Madalena que nada deve distrair do único necessário... Uma carmelita é uma alma que fixou-se no Crucificado, que o viu oferecer-se como vítima ao Pai pelas almas, e recolhendo-se nesta grande visão da caridade do Cristo, entendeu a paixão de amor da sua alma e quis doar-se como Ele!" (Beata Elisabete da Trindade)

A dimensão missionária da Carmelita Descalça


Este é um dos paradoxos da vida carmelitana! O Carmelo é missionário. E ninguém melhor do que a Padroeira das Missões, Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, para nos falar dele. Ao descobrir que o Amor era sua vocação, Santa Teresinha nos ajudou a perceber que o mar e o céu não são limites para quem ama, pois o amor abraça tudo e todos. Cada Carmelo não é só fonte de irradiação de vida espiritual para sua diocese, seu clero, seu povo, mas é irradiação de vida para a Igreja Universal e para o mundo inteiro. Ao ingressar no Carmelo, entra-se no mundo, em todas as partes, na casa dos pobres e dos ricos, dos que estão perto e que estão longe. Uma carmelita torna-se cidadã do mundo. Ao assumir a pulsão do coração de Santa Teresa, seu coração passa a pulsar por todos. Cada carmelita torna-se cidadã de todos os países. Sofre e se alegra com todos os que sofrem e se alegram. O coração torna-se livre para ir em qualquer parte. O amor faz com que lhe seja possível dar a volta ao mundo. Tudo o que ocorre no mundo, ocorre no coração de quem ama.

Quando o coração se torna pobre, já não vive apegado à sua casa, ao seu quarto, à sua rua, aos seus, negócios: é livre… já pode partir. Pode ir e vir. É um navio que solta as suas amarras. Pode ir mar adentro, pode navegar até ao alto mar.

Ao descobrir que a sua “Vocação é o Amor”, Santa Teresinha compreendeu o verdadeiro sentido da sua vocação contemplativa e como ela influi na Igreja e no mundo. Compreende que ela não actua só, nem principalmente, através das orações de intercessão, mas pela transformação do próprio ser na união cada vez mais ]intima com Jesus. Essa mudança, que acontece em Teresa, e em cada vocação contemplativa, estende-se misteriosamente a todos os membros do Corpo de Místico, a toda a Igreja espalhada pelo mundo inteiro. Não sabemos nem o modo nem a medida desta influência, mas a realidade fala por si mesma, e é certo que existe uma mútua comunicação entre todos os membros. A sua vocação contemplativa não é a de evangelizar mas a de purificar, a de santificar, a de transformar a Igreja desde o interior, desde o coração, desde o Amor.

«Jesus foi mais misericordioso comigo do que com os seus apóstolos, tomou Ele mesmo a rede, lançou-a e retirou-a cheia de peixes… Fez de mim um pescador de almas. Senti um grande desejo de trabalhar pela conversão dos pecadores, desejo que não tinha sentido tão vivamente» (A45v).

É assim que Santa Teresinha começa a descrever a sua vocação. Vocação que é resposta ao grito de Jesus na cruz “Tenho sede”, e que ecoava no seu coração. Estas palavras despertaram nela um fogo desconhecido e muito vivo. Consumia-a o desejo de dar a beber a Jesus a tal ponto, que assumiu em si mesma a sede Daquele que o seu coração amava. Isto é o bastante para que se determine a ficar aos pés da Cruz para receber a graça e reparti-la por todos. Ela propõe-se combater a heresia do seu tempo que é também a do nosso: a indiferença de muitos à redenção realizada por Cristo.

Neste combate todas as carmelitas são solidárias e em comunhão com Teresinha. E tal como ela assumem em si mesmas o desejo que Jesus tem de se encontrar com cada homem e mulher do nosso tempo. Este desejo é o impulso amoroso que leva cada Irmã a orar, a trabalhar e a sacrificar-se, fazendo da sua vida uma palavra viva do Deus Vivo.

O lugar de cada carmelita é junto à Cruz, é aí que ela recebe a graça que se converte em maternidade sobrenatural para todos os filhos de Deus. Ela vive a sua maternidade espiritual unida a Maria, a Virgem Sacerdotal, e participa da sua missão de mediadora da graça. Esta participação permite-lhe viver o seu sacerdócio real, comum a todos os fieis, unido ao sacerdócio ministerial de cada presbítero. Não só rezando por ele, mas estando unida a ele por um vínculo muito estreito, porque o sacerdote é o primeiro fruto da sua vocação missionária. É ele que fará da carmelita “mãe das almas”.

Teresa, numa das suas cartas, define a vocação missionária da carmelita duma forma tão interpeladora quanto desafiante para cada uma de suas Irmãs: «A nossa vocação não é ir ceifar os campos das messes maduras. Jesus não nos diz: “Baixai os olhos, olhai e ide ceifar”. A nossa missão é ainda mais sublime. Eis aqui as palavras de Jesus: “Levantai os olhos e vede”. Vede como no céu há lugares vazios; a vós toca-vos enchê-los. Vós sois o meu Moisés orante na montanha: pedi-me operários e eu os enviarei; não espero mais que uma oração, que um suspiro de vosso coração. (…) A nossa missão como carmelitas é a de formar trabalhadores do Evangelho que salvem as almas, das quais nós seremos mães. Parece-me tão bela a nossa missão!» (Ct 135).

A vocação missionária da carmelita entendida assim é de uma beleza rara. Beleza que a muitos atrai e fascina. Mas na realidade, a nossa Grande Missionária, diz-nos que estar em missão no Carmelo é uma “luta dura”, um “martírio doloroso”, que exige viver em pura fé.

«O martírio mais doloroso, o mais amado, é o nosso, porque só Jesus o vê. Não será nunca revelado às criaturas da terra; mas quando o Cordeiro abra o livro da vida, que admiração na corte celestial ao ouvir proclamar, juntamente com o nome dos missionários e dos mártires, o nome de umas pobres Irmãs que nunca fizeram coisas deslumbrantes!» (Ct 195).

Ser Carmelita é viver em Missão! Não é ter apenas uma missão para evangelizar, mas é tê-las todas.


O Mosteiro na Igreja local


"O mosteiro é o lugar que Deus cuida (cf. Zac. 2,9); é a morada da sua singular presença, à imagem da tenda da Aliança, na qual se realiza o quotidiano encontro com Ele, onde Deus, três vezes santo, ocupa todo o espaço e é reconhecido e honrado com o único Senhor.

Um mosteiro contemplativo constitui um dom também para a Igreja local, à qual pertence. Representando para Ela o rosto orante, torna mais plena e significativa a sua presença de Igreja. Uma comunidade monástica pode ser comparada a Moisés que na oração decide os destinos das batalhas de Israel (cf. Ex. 17,11) e à sentinela que vigia na noite na espera da aurora (cf. 21,6).

O mosteiro representa a intimidade mesma de uma Igreja, o coração, onde o Espírito geme e suplica pelas necessidades da inteira comunidade e de onde se eleva sem parar a ação de graças pela Vida que cada dia Ele oferece (cf. Col. 3,17).

É importante que os fiéis aprendam a reconhecer o carisma e a missão específica dos contemplativos, a sua presença discreta mas vital, o seu testemunho silencioso que constitui um chamado à oração e à verdade da existência de Deus.

Os bispos, como pastores e aperfeiçoadores de todo o rebanho de Deus, são os primeiros custodes do carisma contemplativo. Portanto devem nutrir a Comunidade contemplativa com o pão da Palavra e da Eucaristia, oferecendo também, se necessário, uma assistência espiritual adequada por meio de Sacerdotes preparados. Ao mesmo tempo compartilham com a Comunidade mesma a responsabilidade de vigiar para que, na sociedade atual tendente à dispersão, à falta de silêncio, aos valores aparentes, a vida dos mosteiros, alimentada pelo Espírito Santo, torne-se autêntica e inteiramente orientada à contemplação de Deus.

Somente na perspectiva da verdadeira e fundamental missão apostólica que lhes é própria, que consiste em "ocupar-se de Deus somente", os mosteiros podem, na medida e segundo as modalidades que convém ao próprio espírito e à tradição da própria família religiosa, acolher quantos desejam beberde sua experiência espiritual, participando à oração comum da comunidade (Instrução Verbi Sponsa, da Congregação Pontifícia para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, n. 8).

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