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domingo, agosto 22, 2010

"Meu Breviário": Um modo de união com Deus!


Como é o modo de ser da experiência de Deus e como aparece o Senhor nesta forma de oração?

Vamos aqui nos restringir no modo de ser da oração chamada "Ofício Divino", ou “Liturgia das Horas” ou ainda, “oração do Breviário”.

Por Ofício Divino, aqui na nossa reflexão, entendemos toda a oração particular ou comunitária que tem uma determinada forma oficial. Assim, o Breviário, a Santa Missa, as diferentes formas de penitência sacramental, os ritos das liturgias, as orações comunitárias predeterminadas, etc.

Talvez essa definição não seja muito correta liturgicamente, mas serve só para encaminhar uma reflexão que diz respeito a uma dificuldade, a saber: que sentido e importância têm essas estruturas prefixadas, muitas vezes impostas, para o modo de ser da experiência e para a experiência de Deus? Por quê nos devemos sujeitar a uma forma, se a essência da oração não está nessas formas exteriores?

Hoje temos uma boa sensibilidade contra tudo que tem o sabor de formalismo, de letra morta, de oração mecânica sem espírito, sem alma, sem coração, sem participação. Por isso, é que fazemos um real esforço para animar a participação nas orações oficiais e comunitárias. Esse esforço é certamente positivo.

No entanto, há um ponto a refletir para que esse nosso esforço de “animar as orações comunitárias” para que não caia no fogo de palha de um acionar irreal e de vivências sem consistência real do crescimento na oração. E um dos pontos fundamentais que hoje esquecemos no nosso afã de boa renovação é a compreensão da verdadeira importância das formas e dos ritos na experiência da oração.

Ofício, em latim officium (opi-ficium, obra feita) significa: obra do fazer crescente, na tenacidade, na constância, na paciência do trabalho artesanal per-feito.

A nossa atenção só se fixa na obrigatoriedade da imposição estruturada e esquece que o ofício, oficial, estruturado, imposto, originariamente significa: o que surge como a obra perfeita, como a obra mestra da experiência.

Em todas as atividades humanas, a obra é importante. E a obra não significa tolhimento, coerção da liberdade, da espontaneidade, mas sim a concreção real, o fruto da espontaneidade. O humano jamais é escancarado. O humano só vem a si, só se torna ele mesmo na de-terminação no concreto. Sem essa determinação no concreto toda energia humana se esvai no vazio, não produz fruto.

Com outras palavras, a interioridade humana sempre toma forma concreta de expressão. É na expressão concreta que vem à fala a firmeza e o crescimento real da identidade do vigor humano. E o vigor da experiência, o vigor da identidade que cresceu na experiência sempre vem à fala como ofício no sentido acima explicitado.

Tal expressão, o ofício, a obra perfeita da identidade crescida na experiência é firme, tem sua forma bem determinada, coerente em si, nada ali é arbitrário, tudo é necessário, até o mínimo ponto no i. Não admite, pois, tão facilmente a modificação de forma conforme o gosto e a necessidade subjetiva de cada indivíduo, se impõe como norma, lei e estrutura objetiva. Tudo isso, no entanto, não é o resultado do desejo de assegurar-se, de domínio, não vem do medo de mudanças, mas sim da firmeza e coerência da concreção que tornou necessária como a obra.

Se pensarmos, por exemplo, no ballet, na ginástica artística, logo compreenderemos o que queremos dizer.

Uma pessoa que não cresceu na identidade, no trabalho lento e tenaz da experiência, não pode compreender a imposição, a firmeza e as exigências de tais obras. Pois, o seu modo de ser só pode entender a liberdade vital como uma espontaneidade oposta a limites e estruturas.

Em tal nível de identidade se vive no dualismo de espontaneidade e necessidade, sem se conseguir encarnar o material da estrutura com o vigor do espírito que tudo vivifica. Por isso, se busca novidade de formas em que se possa gozar o elã de sentimento e vivências, que, se repetidas, tornam-se corriqueiras e rotineiras e nos acossam à busca insatisfeita de novas formas e estruturas.

Quando há muita repugnância em relação à oração oficial bem estruturada, ao mesmo tempo uma busca excitada de novidade de formas, quando há a incapacidade de deixar-se afeiçoar pelas formas concretas bem disciplinadas de um rito, pode ser que atrás de tudo isso esteja o problema da fraqueza da identidade, portanto a falta de crescimento na experiência.

Se for o caso, a oração oficial, formas e formulações estruturadas têm a função de nos desafiar à recordação de que a essência, o vigor da oração não está em eu fazer o que mais me agrada, não está em eu ter vivências, mas sim em trabalhar paciente e diligentemente o trabalho da experiência, o trabalho artesanal do ofício, para deixar vir à fala na concreção necessária e coerente a fala de Deus. A fala de Deus é Espírito e Vida, sopra onde lhe apraz.

A liberdade da fala de Deus, portanto, exige de nós disciplina e rigor fora de série na ausculta e na ob-audiência. Tal rigor e precisão de audiência eu jamais consigo em explosões e em veleidades sentimentais e vivenciais do meu querer, mas na rotina assumida, na repetição, na demora e na paciência do trabalho da experiência: ora et labora!

O que chamamos de interioridade da oração, portanto, não é um sentimento vivencial fogo de palha. É antes uma transformação de todo o meu ser, doada através de um trabalho lento e continuado, fiel e disciplinado, como no caso de um artista.



Uma fórmula morta, um rito esvaziado, uma nova fórmula, rito antigo, rito novo, não recuperam o seu vigor sem essa transformação do nosso ser. E se na experiência nos transformamos no vigor orante, perceberemos que as fórmulas e os ritos antes mortos eram mortos porque eu no meu modo de ser estava fraco e anêmico de identidade do vigor humano, não era capaz de encarnar a terra dos homens.

Se na busca de interiorização na oração não trabalharmos assim, sóbria e tenazmente, para esse tipo de crescimento na experiência, a nossa interiorização pode nos alienar para a busca de sentimentos e vivências sem realidade e assim falsificar o espírito de oração, enfraquecendo aos poucos o nosso ser, de tal sorte que não conseguiremos fazer ressoar o louvor de Deus no cotidiano banal da nossa vida. Cotidiano banal que, na realidade, se soubermos repercutir o toque de Deus, nada tem de banal e de cotidiano!

Não blasfememos, confundindo a Inspiração de Deus e a obra da sua Liberdade com o “cio” da nossa subjetividade.

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