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domingo, julho 25, 2010

Música litúrgica - o Kyrie e o Ato Penitencial




Começamos aqui nossa abordagem da música no Ato Penitencial da Santa Missa. O leitor pode ver no título deste texto mencionados dois objetos, não apenas um. Embora meu intento seja comentar apenas a música, faz-se necessário compreender algumas questões referentes à Liturgia em si e suas partes. Por esta razão, o texto vai dividido em duas partes: esta primeira parte hoje, e a segunda parte no próximo dia 28.

A palavra Kyrie, em grego, é uma invocação dirigida ao Senhor. Se quiséssemos simplesmente dizer Senhor, sendo Ele o sujeito de uma frase, diríamos Kyrios. Mas aqui falamos com o Senhor, dirigimo-nos a Ele; e o idioma grego (como também o latino) nos permite flexionar (“declinar”, mais especificamente) esta palavra de modo a deixar claro que estamos nos dirigindo ao Senhor – a isto a gramática chama caso vocativo. “Senhor”, no caso vocativo, é Kyrie, e assim é que a Liturgia se dirige a Deus neste momento da Liturgia.

É importante lembrar-se de que no Kyrie o idioma é o grego, e, se o leitor pesquisar algum outro rito litúrgico cujo idioma seja o grego, encontrará lá também o Kyrie.

O texto do que chamamos de Kyrie consta de três invocações muito simples, conhecidas de, creio poder dizer, todo católico. Em português:

Senhor, tende piedade de nós.
Cristo, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.

Em grego:

Kyrie eleison.
Christe eleison.
Kyrie eleison.

Se o fiel assistir à Missa em português, terá o Kyrie em português. Se assistir à Missa em latim (seja na Forma Ordinária ou no Rito Tridentino), terá o Kyrie em grego. A Liturgia de Rito Romano utiliza três idiomas (sem contar o vernáculo): o latim, o grego e o hebraico. O latim, na maior parte do texto. O grego, no Kyrie. Do hebraico o Rito Romano toma as palavras Alleluia, Hosanna e Amen.

É verdade que o grego e o hebraico contribuem com partes muito pequenas e específicas, a rigor tratáveis como palavras que o latim tomou emprestadas e incorporou a si. Entretanto, alguns ritos dispensam o grego em seu Kyrie, como os eslavos e os armênios. Não dispensam, entretanto, as hebraicas Alleluia, HosannaAmen. Todas elas são traduzíveis, mas sua manutenção na Liturgia (e mesmo na oração extralitúrgica) se coloca na Igreja como fator de comunhão e universalidade, assumindo sua herança hebraica sem ser hebraizante. nem

As três invocações – Kyrie eleison, Christe eleison, Kyrie eleison – se pronunciam, no Rito Novo, duas vezes. No Rito Tridentino, três vezes. As duas vezes do Rito Novo fazem com que o Kyrie seja um diálogo em que a invocação é enunciada e repetida, assim (C representa o celebrante, A a assembleia):

C – Kyrie eleison.
A – Kyrie eleison.

C – Christe eleison.
A – Christe eleison.

C – Kyrie eleison.
A – Christe eleison.

Na Forma Extraordinária, as três vezes funcionam como indicado abaixo (indiquei C para celebrante e A para assistente)

C – Kyrie eleison.
A – Kyrie eleison.
C – Kyrie eleison.

A – Christe eleison.
C – Christe eleison.
A – Christe eleison.

C – Kyrie eleison.
A – Kyrie eleison.
C – Kyrie eleison.

Devido às três vezes em que cada invocação é enunciada, o assistente é quem diz Christe eleison primeiro, já que se mantém a alternância entre ele e o celebrante.

Até aqui é tudo bastante simples; não que as coisas se compliquem a partir de agora: elas se ramificam, por assim dizer, e surgem detalhes aos quais se faz muito necessário dar atenção.

Primeiramente, vamos considerar o Rito Tridentino, a Forma Extraordinária. Seu Ato Penitencial contém o Kyrie que estamos descrevendo, na forma mostrada acima, cada invocação feita três vezes. Porém, o Kyrie é apenas uma das partes do Ato Penitencial deste rito. Eu até gostaria de descrevê-las mais minuciosamente, mas não é o objetivo deste texto, já que esta é a série sobre a música do Ordinário.

O Ato Penitencial do Rito Tridentino (todo em latim, não nos esqueçamos), em linhas gerais, funciona assim:

1 – o celebrante recita o Confiteor. No Rito Tridentino ele é um pouco mais longo do que no Rito Novo, pois invoca também Nossa Senhora, São Miguel, São João Batista, São Pedro, São Paulo e todos os santos. Lembremo-nos: Confesso a Deus Todo Poderoso...

2 – o assistente recita: Tenha misericórdia de ti Deus Onipotente e, tendo perdoado teus pecados, conduza-te à vida eterna; o celebrante responde Amém.

3 – agora o assistente recita o Confiteor, igual ao que o celebrante recitou, com uma pequena diferença, apenas; no trecho em que o padre havia pedido “a vós, irmãos” que rogassem por ele, o assistente pede ao padre que rogue por ele e os fiéis.

4 – o celebrante recita a mesma fórmula que o assistente havia rezado no número 2.

5 – seguem-se orações, algumas dialogadas, outras só ditas pelo celebrante.

6Kyrie

Terminado o Kyrie, terminado está também o Ato Penitencial.

Na Forma Ordinária do Rito Romano existem três possibilidades para o Ato Penitencial. Todas começam com o convite do sacerdote. A partir de então, elas diferem, como vemos agora.

A primeira delas constitui-se do Confiteor, seguido da absolvição pronunciada pelo sacerdote (“Deus todo-poderoso tenha compaixão de nós, perdoe os nossos pecados e nos conduza à vida eterna”); conclui-se com o Kyrie.

A segunda compõe-se de um breve diálogo, seguido da mesma absolvição (“Deus todo-poderoso tenha compaixão de nós...”) e do Kyrie. O breve diálogo é assim:

C – Tende compaixão de nós, Senhor.
A – Porque somos pecadores.

C – Manifestai, Senhor, a vossa misericórdia.
A – E dai-nos a vossa salvação.

Como se vê estas duas fórmulas compõem-se de um primeiro elemento (Confiteor num caso, diálogo no outro); segundo elemento, a absolvição; terceiro elemento, o Kyrie.

A terceira possibilidade utiliza o texto do Kyrie como o vimos até aqui adicionando-lhe breves frases chamadas tropos. Os tropos possíveis são numerosos e, embora o Missal apresente alguns, permite-se criar outros. Um exemplo:

C – Senhor, que sois o caminho que leva ao Pai, tende piedade de nós.
A – Senhor, tende piedade de nós.

C – Cristo, a verdade que ilumina os povos, tende piedade de nós.
A – Cristo, tende piedade de nós.

C – Senhor, que sois a vida que renova o mundo, tende piedade de nós.
A – Senhor, tende piedade de nós.

Embora eu continue indicando ali o celebrante com a letra C, esta parte pode ser cantada seja por um cantor, seja por um coro.

Tropos não são novidade introduzida pelo Rito Novo, sua origem é bem antiga. O fato de que tropos possam ser criados com liberdade pode nos deixar um tanto apreensivos quanto à possibilidade de abusos. Porém, e infelizmente, os abusos cometidos no Ato Penitencial passam longe da invenção de tropos inadequados, preferindo vias mais radicais como a completa omissão de qualquer destes textos que estamos examinando, substituindo-os por alguma canção pop de “cantor católico” cuja letra, na opinião de alguém, pareça ter alguma relação com perdão ou misericórdia.

E mesmo que a tal canção não seja pop, basta que seu texto difira destes que o Missal coloca para que tenhamos grave abuso litúrgico. Algumas composições tentam disfarçar seu texto como se fossem tropos de um Kyrie de verdade, mas o estrago já está feito. Um exemplo muito conhecido:

Pelos pecados, erros passados; por divisões na Tua Igreja, ó Jesus!
Senhor, piedade! Senhor, piedade! Senhor, piedade, piedade de nós!

À parte a infeliz ideia de evocar pecados coletivos (e sempre pecados dos outros, como bem observou um amigo), a própria estrutura desse texto não é a de um Kyrie com tropo. O trecho “pelos pecados, erros passados; por divisões na Tua Igreja, ó Jesus!” não é um tropo. O tropo existe quando adorna e estende a invocação do Senhor, enunciando algum de seus atributos, alguma forma tradicional, poética ou bíblica, de falar de Cristo, a quem se dirige todo o Kyrie. A estrutura correta funciona deste modo:

Senhor, [tropo], tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.

Não se enumeram pecados no Kyrie. Não se faz mea culpa no Kyrie – aliás, o mea culpa já é feito no Confiteor... “minha culpa, minha tão grande culpa”. Especialmente, referindo-me agora ao exemplo específico que dei mais acima, o Kyrie não é momento para afirmações dúbias sobre a Igreja, causadoras de confusão entre os fiéis mais simples por não explicar a diferença entre erros cometidos por membros da Igreja e a inerrância da mesma Igreja. Exemplos podem ser multiplicados, mas fiquemos neste.

O Missal sugere tropos, como afirmei anteriormente, e as sugestões se agrupam conforme sua relação com o tempo litúrgico. Por exemplo, uma possibilidade para o Advento:

Senhor, que viestes ao mundo para nos salvar, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós.


Cristo, que continuamente nos visitais com a graça do vosso Espírito, tende piedade de nós.

Cristo, tende piedade de nós.


Senhor, que vireis um dia para julgar as nossas obras, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós.


Outra, sugerida para o Tempo do Natal:


Senhor, Filho de Deus, que, nascendo da Virgem Maria, vos fizestes nosso irmão, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós.


Cristo, Filho do Homem, que conheceis e compreendeis nossa fraqueza, tende piedade de nós.

Cristo, tende piedade de nós.


Senhor, Filho primogênito do Pai, que fazeis de nós uma só família, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós.


Existem várias para o Tempo Comum, sem impedimento a seu uso nos outros tempos litúrgicos, conforme suas palavras. Não é obrigatório que os tropos façam menção ao perdão e à misericórdia divinos, mas este é o caso de algumas sugestões do Missal que me agradam, particularmente (aqui é gosto pessoal mesmo). Eis uma delas:


Senhor, que oferecestes o vosso perdão a Pedro arrependido, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós.


Cristo, que prometestes o paraíso ao bom ladrão, tende piedade de nós.

Cristo, tende piedade de nós.


Senhor, que acolheis toda pessoa que confia na vossa misericórdia, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós.


Assim funciona o Kyrie e, em geral, o Ato Penitencial da Santa Missa em Rito Romano. Na segunda parte deste texto abordarei a música deste momento da Liturgia.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

“Redentoristas transalpinos” em peregrinação a Roma

2 comentários e 3 referências
Muitos de nossos leitores, por certo, conhecem, do mundo ligado ao rito antigo, ou forma extraordinária, a Administração Apostólica São João Maria Vianney, o Instituto Cristo Rei e Sumo Sacerdote, a Fraternidade Sacerdotal São Pedro, o Instituto Bom Pastor, o Mosteiro do Barroux etc. Já os redentoristas transalpinos são menos conhecidos no Brasil.
Trata-se de um grupo de redentoristas que se unira a D. Lefebvre, mantendo a regra de Santo Afonso de Ligório quando esta foi reformada pelo capítulo de sua congregação.
Após o Summorum Pontificum, eles pediram ingresso na plena comunhão com o Papa, rompendo com a FSSPX. Obtiveram o privilégio de manter seu hábito tradicional redentorista – até onde sei com mínimas modificações –, a espiritualidade de Santo Afonso, sua filiação espiritual ao grande moralista, e as constituições redentoristas originais afonsinas. Todavia, se desvincularam oficialmente da Congregação do Santíssimo Redentor (CSsR). Hoje, eles são os Filhos do Santíssimo Redentor (FSsR), seu novo nome. O apelido “redentoristas transalpinos” continua a ser usado. A mesma família espiritual, como a OFM, a OFMConv e a OFMCap são igualmente franciscanas.
Possuem também a autorização de celebrar exclusivamente o rito romano na sua forma extraordinária. Sua base é na Escócia, na ilha de Papa Stronsay.
Recentemente, eles estiveram em peregrinação a Roma, onde puderam, perto do Santo Padre, celebrar no rito antigo. Abaixo, fotos da peregrinação, obtidas do blog oficial da congregação:

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Visita à Igreja de Santo Afonso, fundador dos redentoristas e pai espiritual e inspirador dos “transalpinos”

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